A escola sem significado
Doutor
em psicanálise e professor da Unesp, Fábio Villela propõe fundamentos
para retomar as relações de vínculo entre alunos, professores e a
instituição escolar
Juliana Holanda
As queixas são conhecidas: o aluno não tem interesse pela aula, não
quer saber da escola, agride - física ou psicologicamente - o professor.
O resultado é um docente estressado, que só pensa em sobreviver até o
final do dia. O cenário, realidade em muitas escolas, é sintoma de uma
mesma causa, na avaliação do professor e pesquisador Fábio Villela: a
escola deixou de ser significativa para
professores e alunos.
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| Fábio Villela: todo mundo está esperando as condições, mas elas nunca chegam |
Doutor
em psicanálise e professor de psicologia no curso de Pedagogia da Unesp
Presidente Prudente há 20 anos, Fábio acredita que nenhuma teoria
cognitivista ajudou "a salvar a
educação nacional" porque as respostas não estão todas no cognitivismo. "Eu acho que, para
fazer com que a cabeça cognitiva do aluno funcione, são mais importantes vínculo, empatia e relação. Essa é a minha hipótese."
A hipótese resultou no recém-lançado livro Fundamentos da escola
significativa (Edições Loyola), primeiro de uma coleção de cinco
títulos, onde, juntamente com a professora de psicologia da
Faculdade de Educação
da Unicamp, Ana Archangelo, estão estabelecidas as bases de uma escola
que seja "por um lado, extremamente importante para o aluno, e que por
outro o ajude a ampliar o campo de significação das suas experiências".
Sob a forte influência da psicanálise, mas partindo do eixo escolar,
os autores propõem meios para que o professor possa "entender um pouco o
aluno e auxiliá-lo na trajetória de ampliar o seu campo de
experiências".
Nesta entrevista concedida à
Educação, Fábio fala
sobre como treinar esse olhar e explica um dos conceitos desenvolvidos
para alcançar tal objetivo: o "enquadre", pelo qual o professor
estabelece as condições favoráveis para o desenvolvimento de suas aulas.
Algo que iria em contraposição à atual tendência normativa da escola.
O que define a escola significativa?Falamos
em três sentimentos básicos: o aluno tem de se sentir acolhido pela
escola, ou seja, se sentir bem, feliz de estar lá e se sentir protegido,
fisicamente e emocionalmente. Tem de se sentir reconhecido - que faz
parte de uma comunidade de iguais, ainda que os professores saibam mais
que eles - e não como uma pessoa
que é vista
como sendo um diferente, um estranho, ameaçador. E tem de sentir que
aquele ambiente é dele. Veja como a escola está distante de tudo isso.
Vocês partiram do conceito de aprendizagem significativa?Não,
pelo contrário. Repensamos o conceito de aprendizagem significativa a
partir do conceito de escola significativa. Entendemos que a escola, que
deveria ser um lugar de desenvolvimento, engajamento, de relações
criativas, ia se tornando desinteressante e opaca, portanto, que não
fazia nenhum sentido na vida do aluno.
A escola deixou de ser significativa também para o professor?Ah,
sim, há muito tempo, sobretudo para o professor da escola pública.
Porque o grau de insatisfação, de tensão, em alguns casos até de medo
dos alunos, e desse clima institucional - ele precisa pôr ordem, a sala
precisa respeitá-lo, ele é pressionado pelos alunos, às vezes é
hostilizado pelos alunos, e se também não resolve muito bem isso, a
direção cobra - então, a maior parte não tem prazer em dar aula. E para
esses professores, a escola não pode ser significativa, a escola é um
tormento.
E isso gera um círculo vicioso.Sim,
me parece ser necessário juntar esses dois polos, onde os problemas
aparecem. É necessário criar um espaço em que se recuperam os vínculos
internos à sala de aula, entre professor e alunos, e também entre
alunos, e que isso permita servir de base para a construção de uma
escola que começa a ser significativa a partir daí.
Quem dá o primeiro passo para essa reconstrução? Eu
acho que quem dá o primeiro passo é o professor. Se o diretor e o
coordenador pedagógico quiserem dar o primeiro passo é melhor. Mas dá
para garantir que eles vão dar o primeiro passo? Não dá.
Mas os professores, muitas vezes,
trabalham em condições extremamente desfavoráveis. Qual a importância
das condições estruturais para que essa transformação ocorra no dia a
dia?Quase todos os professores alegam que faltam as
condições para dar o primeiro passo. Isso que me preocupa. Eu também sou
favorável às condições. Todo mundo está esperando essas condições, mas
elas nunca chegam. Então, ao escrever o livro, pensamos naqueles
professores que tenham interesse em melhorar o aprendizado, as relações
internas em sala de aula, mas não sabem como. O livro não é prescritivo,
mas traz algumas dicas, por exemplo: saiba o nome dos seus alunos. Só o
fato de chamá-los pelo nome já cria um tipo de vínculo. Um ambiente
muito tenso pode melhorar se o professor conseguir perceber minimamente o
que está acontecendo em sala de aula e não vir armado para uma
situação. Mas é o professor quem vai ter de desmontar isso, nessa
relação entre ele e os alunos. Não tem ninguém mais lá para ajudá-lo.
No livro, vocês defendem que a escola
assuma algumas responsabilidades que, geralmente, são atribuídas à
família. Por que isso é importante?A primeira coisa
que percebemos é que algumas famílias não estão preparadas para lidar
com todos os aspectos dos seus filhos. Quem cuida muito bem de toda a
parte emocional, em geral, é a família. Mas, especialmente crianças
muito carentes e de história de vida problemática, muitas vezes não têm
um grande amparo na família. Então, para elas não sobra ninguém mais do
que a escola. Na formação dos professores e educadores há todo um
discurso valorizando a formação integral, a integração dos aspectos
emocional e intelectual, valores morais, etc., mas esse discurso vale
até aparecer o primeiro problema em sala de aula. E aí o professor, e
eventualmente a direção, diz ''isso não é problema nosso'', e ''se a
família não conseguiu resolver isso, a gente também'', e busca dados na
família para ver se pode estigmatizar a criança e justificar todas as
dificuldades que ela esteja apresentando, em vez de cuidar dessa
criança. Se ela não consegue encontrar coisas importantes como bons
vínculos, uma relação sadia com a família, com quem ela vai poder
estabelecer essas relações? Com pessoas da escola.
Como lidar com a excessiva atenção ao
currículo, à consequente pressão dos processos seletivos, e ao mesmo
tempo ser uma escola significativa?Acho que esse
conteudismo é ruim. Se a escola tivesse um pouco mais de tranquilidade
para passar bons conteúdos, e tratar um pouco esse conteúdo da forma
como o aluno possa absorvê-lo, enfim, criaria campos de aprendizado onde
o aluno poderia referir esse conhecimento às suas próprias vivências. É
isso que estamos chamando também de escola significativa. Esse conteúdo
tem de ampliar e ao mesmo tempo transformar as formas de conteúdos.
Para que esse ensino seja significativo, ele também tem de revirar de
forma radical a forma de a criança pensar.
Qual a diferença da teoria de aprendizagem significativa de David Ausubel e o que vocês estão chamando de ensino significativo?O
ensino significativo não é aquele conhecimento que se relaciona com o
conhecido ou com conceitos já obtidos, como no caso da teoria do
Ausubel. Não negamos Ausubel, mas estamos discutindo a partir de um
outro ponto de vista. É lógico que o aluno tem de ter uma base. Agora,
não é o que se relaciona a uma base que faz sentido. É o que faz com que
ele queira estudar, mesmo que ele tenha de construir as pontes para
essa base.
Há algum método para desenvolver o ensino significativo?Não.
Conforme o professor faça uma leitura da sala e perceba como ela está,
ele pode manejar uma série de técnicas, atividades.Porque, na verdade, a
forma de o aluno entrar em contato com o conteúdo e fazer suas sínteses
se dá de maneiras diferentes. A nossa cabeça não está predestinada a
funcionar de uma única maneira, por isso que vários métodos têm tido
sucessos e eles disputam entre si. Às vezes a sala gosta do professor,
mas está mais agitada, querendo participar mais. Então, o professor tem
de fazer essa leitura e, a partir disso, escolher sua atividade.
A questão da indisciplina e da
violência é uma das grandes preocupações da escola atual. Para isso,
vocês propõem o conceito de ''enquadre''. Você pode exemplificar?Sabemos
que as relações na escola são muito variadas e as condições muito
diversas, então chamamos de enquadre o estabelecimento de condições
ótimas para o desenvolvimento daquela atividade, com aquele professor.
Cada professor pode estabelecer os conjuntos dessas condições que sejam
mais afeitos ao tipo de atividade que ele vai desenvolver - seja dentro
da sala de aula, seja fora - e ao mesmo tempo de acordo com a
personalidade dele. Por exemplo: alguns professores se dão muito bem em
aulas em que a classe pode fazer um pouco de barulho, mas em que ao
mesmo tempo os alunos se conectam e se desconectam, falam com o colega e
voltam a atenção ao professor, e isso - para esse professor e para a
sala - pode ser muito produtivo. Ao mesmo tempo ele consegue chamar a
atenção de um que esteja escapando demais. Outros não, precisam de uma
sala um pouco mais silenciosa. Então, achamos que é possível ter
diferentes aulas muito boas. Ou diferentes aulas que funcionam, tanto
para o professor, quanto para o aluno.
Quem determina esses critérios é o professor?Ele pode estabelecer esses critérios, mas têm de funcionar.
Muitas escolas têm usado acordos
normativos para estabelecer suas regras disciplinares. Qual é a relação
do enquadre e o estabelecimento de limites?A escola
está com uma obsessão de criar normas a priori. Parece que é uma coisa
educativa, mas, no fundo, se está criando uma certa desconfiança da
escola e do professor em relação ao aluno. Porque numa situação de
namoro seria absurdo discutir as regras no primeiro dia, numa relação
familiar também, e numa relação de escola isso parece normal? A escola
está sinalizando ''eu só consigo estabelecer um trabalho com você se a
gente acertar os pontos contratualmente e eu quero saber se você não vai
me trazer problemas''.Ela tira a questão afetiva, a questão empática.
Eu sei que isso é feito na melhor das intenções, mas essa é uma escola
que, no fundo, teme o aluno. Ao contrário da norma, o enquadre não é
prévio, é processual. Ele vai modelando as condições ótimas para o
professor dar aula. Depois, vale para aquela turma de alunos. E para
aquele professor. Além de tudo, o enquadre varia de acordo com as
atividades. E o professor chama a atenção de um aluno que se desviou,
não fala para todo mundo.
A escola foi significativa em algum outro momento histórico?Eu
acho que foi. No fundo, a mesma escola é mais ou menos significativa
para mais ou menos alunos. O que propomos é a escola pensar se quer ser
significativa buscando mudar a vida desse aluno e provocando o seu
interesse.
Disponível em:http://hom.gerenciadordeconteudo.com.br/produtos/ESRE/textos/199/a-escola-sem-significadodoutor-em-psicanalise-e-professor-da-unesp-300973-1.asp. Acesso em 24 de abril de 2014.
COMENTÁRIO:
Essa entrevista da Revista Educação com o Doutor em
psicanálise e professor de psicologia no curso de Pedagogia da Unesp de
Presidente Prudente, Fábio, fala dessa escola significativa, onde o aluno possa
se sentir feliz, protegido fisicamente e emocionalmente. As escolas precisam
ser mais criativas, precisa fazer mais sentido tanto na vida do aluno quanto do
professor, precisam da participação das famílias. Esse modelo de escola poderá
ser alcançado quando todos se unirem para dar o primeiro passo rumo ao
desenvolvimento em meio a esse clima hostil, de insatisfação e tensa.